terça-feira, 22 de setembro de 2009

Escolinha Universitária

Na semana passada, precisei ir à minha antiga faculdade para resolver uns assuntos burocráticos. Sai ano entra ano e nada lá muda. Vou dar nome à vaca: é a “Universidade” Fumec. A única coisa que mudou (e foi para pior) foram as catracas para “aumentar a segurança dentro da ‘Universidade’”. Mas é ridículo isso, pois uma das catracas tem acesso liberado para não estudantes e não funcionários. Eu mesmo entrei lá como um ex-aluno. Se alguém quiser entrar lá e fazer qualquer tipo de merda, faz entrando por essa catraca. O pior nem é isso, porque se essas catracas tivessem uma eficácia na segurança das pessoas que fazem parte da “Universidade” eu nem acharia tanta graça. Se evitasse mesmo que um crime fosse cometido lá dentro, eu me sucumbiria a mais esse cerceamento da liberdade e pensaria mais uma vez como “um mal necessário”. Ali está mais do que claro que aquelas catracas são para inglês ver. Essas catracas só me fazem confirmar um problema maior: aquilo não é uma Universidade, tampouco é uma faculdade, no sentido acadêmico. Aquilo é um colejão travestido de academia. Aquilo é uma Escolinha Universitária.
Não quero fazer aqui uma crítica ao corpo docente. Há muita eficiência no ensino em boa parte dos professores de lá. Muitos apresentam um cabedal de conhecimento incrível. O problema da Fumec são a administração e os alunos. Mas principalmente os alunos. A administração da Fumec é por conferir tanto poder aos alunos. Digo, com propriedade de quem estudou na instituição por quatro anos, que faltou coro em 90% dos alunos de lá. Faltou que eles levassem umas cintadas quando crianças. Os professores da Fumec, na maior parte das vezes, são reféns dos alunos. Às vezes reféns de uma sala inteira.
Uma prática rotineira dos alunos de lá é a chantagem, cometida de várias formas. Já vi muitas coisas acontecerem lá para acuar os professores, e os alunos assim conseguirem boas notas (ou pelo menos a média delas) e não para não serem reprovados por conta da frequência. Na “Universidade” Fumec reina a lógica clientelista, de que o aluno paga o salário do professor, então ele deve ser tratado como um cliente e no jargão do comércio “o cliente tem sempre razão”. Nisso, o ambiente acadêmico vai para o buraco e lógica mercadológica é que sobressai. E digo a vocês que eu reparei lá que o aluno (cliente) quase nunca tem razão. Eu também contestei muitos professores e cheguei até a discutir e brigar com alguns, por questões de discordâncias no âmbito acadêmico ou por considerar algumas questões injustas. Mas nunca usei de ameaças e chantagens como é de praxe com aqueles filhinhos de papais.
Na minha época existia uma avaliação semestral na “Universidade” Fumec (não sei se ainda existe) na qual os alunos preenchiam um questionário e davam nota aos professores. Primeiro era por um papel impresso. Depois eles colocaram dentro do site da Fumec num link na área do aluno. Não me lembro bem se era nota de 1 a 10 ou se era do tipo “você acha este professor péssimo, ruim, regular, bom ou ótimo?”. Eu sei que eu ficava indignado porque vi que a maioria dos alunos votava levando muito mais para o lado pessoal do que realmente preocupados com a qualidade do ensino. Um professor um pouco mais exigente se fodia nesta avaliação. Era a hora da vingança do aluno. Então, imagino que a maioria dos professores passava a exigir menos dos alunos, uma vez que temiam que esta avaliação comprometesse seu ganha pão.
Aliás, os professores da Fumec, de uma forma de outra, têm que se adequar a um perfil que os alunos gostam. Se um professor for um pouco mais rigoroso é bem provável que os alunos organizem um abaixo assinado exigindo a sua demissão. Havia uma professora com um excelente cabedal de conhecimento e que exigia um pouquinho mais dos alunos (e essa exigência era pouca coisa mesmo). Ela já estava em idade idosa, porém isso não afetava seu desempenho. Era uma excelente professora e uma pessoa muito agradável e atenciosa dentro e fora da sala de aula. Muitos alunos partiram para uma questão de ordem física com um pretexto de atacá-la e denegrir a sua imagem. Vi muitos alunos se referindo à ela como “a velha e gorda”. E eram todos uns aluninhos vagabundos. Um bando de cretininhos. Você vê claramente que os pais passavam a mão na cabeça por tudo que eles faziam de errado. Nunca vi um bom aluno partindo para uma crítica tão grosseira. Eu, sinceramente, não me assustaria se um professor negro, na “Universidade” Fumec, fosse rechaçado pelos alunos por questões étnicas. Nunca vi isso acontecer, mas lá é bem provável que isso aconteça. É a cara de lá. Se um professor sair demais da linha até veado ele vira.
Com outra boa professora que não admitia conversas paralelas dentro da sala de aula os alunos fizeram para ela uma comunidade no Orkut que denegria sua imagem e seu comportamento. O pior de tudo é que eram estudantes de comunicação social. Não tiveram nem um pouco de reflexão ética ao criarem esta comunidade.
Também professores com visões polêmicas, que destruíam um pouco da crença sobre o mundinho de alguns alunos sofriam retaliações. Alguns tiveram o nome levado à coordenação de curso. Professores com linguajar mais escrachado também eram alvo de reclamações. Já o linguajar podre dos play boys era aceito sem contestação entre os alunos. Nada podia sair do Fumec way of life.
E o engraçado nisso tudo é que a maior parte dos alunos não fazem absolutamente nada. Vivem ou jogando truco numa área de convivência que mais parece o Gigabyte da Malhação ou nos botecos na porta da faculdade. Se você passa na porta de um desses botecos, vê o nível de alienação. Quando Ernest Hemingway escreveu O Sol Também se Levanta criticando uma geração perdida e alienada da década de 20, não sabia o que estava por vir. Se este autor passasse na porta de um desses botecos e visse aquelas meninas com a mesma roupa que usam para ir às boites nos fins de semana (a quem diga que a Fumec é a Fumec Nigth Club), ou aqueles bombadinhos que fazem questão de exibir suas tatuagens tribais, ou aqueles frequentadores de festas trance com aqueles cabelos dreadlocks nojentos, teria se suicidado de novo. Os alunos-clientes reclamam e exigem tanto seus “direitos”, mas se esquecem das vezes que ficaram no bar enchendo a cara e escutando aquelas famigeradas bandas de reggae pasteurizado como Natiruts e uma porcaria belorizontina entitulada como Manitu. Por essas preferências culturais você confirma o nível de alienação. Não sou muito fã de reggae, mas aposto que a galera da raiz deve se sentir muito decepcionada com essa geração deturpadora. Se estes caras dessas bandinhas fossem à Jamaica, levariam porrada dos rastáfaris que, ao contrário que as pessoas pensam, de paz e amor nunca tiveram nada.
Uma vez eu conversei com um funcionário da biblioteca. Eu ouvi da boca dele que os alunos só vão lá para pegar livros quando o professor exige aquele para bibliografia nos trabalhos acadêmicos. São pouquíssimos que frequentam a biblioteca por interesse próprio. Mas os botecos e a área de convivência estão sempre lotados. Ler não é um hábito muito frequente entre os alunos da “Universidade” Fumec. No curso de jornalismo, que é essencial a leitura, são pouquíssimos os que se interessam.
Olha que eu digo isso tudo, mas nem fui um aluno cu de ferro. Eu também, algumas vezes, matei aula quando estava indisposto, deixei de entregar trabalhos, dormi até mais tarde por ter passado algumas noites na gandaia e, sempre chegava atrasado. Todavia eu tive interesse a todo tempo de aprender e não de fazer tudo só para passar, como faz a maioria. Não deixei que essas falhas, das quais eu nem tenho culpa, atrapalhassem de forma significativa minha formação. A maioria dos alunos não estão interessados no aprendizado e sim em passar, ainda que com uma nota mínima.
Os assuntos que reinavam entre os alunos era futebol e carro. Entre as meninas eram cosméticos, ou com quem elas ficaram no fim de semana, ou sobre a novela. Isto fora e dentro de sala sem o menor respeito pelo professor. Você pode até me dizer que isso não é exclusivo da Fumec, que é típico das faculdades particulares. Mas eu acredito que a Fumec tem um realce nesse aspecto. Aliás, aquele lugar é um fenômeno que merece uma análise de algum cientista social. Para se ter uma ideia, a maior parte dos alunos da “Universidade” Fumec escolheram estudar lá por conta da localização. Era o que muitos me falavam, uma vez que a maior parte mora em bairros nobres da Zona Sul de Belo Horizonte.
Daí, tirando por base disso tudo que eu falei qual a moral que estes alunos têm de fazerem uma avaliação semestral com os professores? A única “moral” é de um cliente que exige seu produto final sem muito esforço: o diploma.

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